O CASO DOS
DENUNCIANTES INVEJOSOS
Este livro nos permite
uma reflexão acerca de punir ou deixar impunes denunciantes de um período de
conturbações políticas.
Certo país vivia em um
regime pacífico, constitucional e democrático. Após uma crise econômica e por
graves conflitos entre grupos que seguiam diferentes linhas econômicas,
políticas e religiosas o povo viu na figura do chefe de um partido chamado
“Camisas-Púrpuras” a salvação da pátria.
“O sucesso eleitoral desse partido
ocorreu em razão de uma campanha com promessas insensatas e falsificações
engenhosas e com a intimidação física causada por patrulhas noturnas de
Camisas-Púrpuras, motivo pelo qual muitos adversários do Partido não tiveram coragem
de votar” – Página 35
Quando chegaram ao
poder, os camisas-púrpuras não revogaram a constituição e nem tomaram nenhuma
atitude no sentido de reformar partes da mesma.
“Juízes que contrariavam os desejos do
governo eram agredidos e assassinados”- Página 36
Houve novas eleições e
os Camisas-Púrpuras foram derrotados e se estabeleceu novamente um governo
democrático e constitucional.
Sabe-se que durante o regime dos
Camisas-Púrpuras, muitas pessoas, movidas pela inveja, denunciavam seus
inimigos pessoais por motivos banais, que somente eram considerados infrações
nesse país. Os infratores eram condenados a pena de morte.
“Dentre as atividades que foram
objetos de denúncias estavam: críticas ao governo em discussões particulares, a
escuta de estações de rádio estrangeiras, a omissão de informar a perda de
documentos de identidade no prazo de cinco dias etc.”-página 37
Quando os
camisas-purpúras deixaram o poder, grande parte da população mobilizou-se e
exigiam a punição de tais denunciantes, que motivados pela inveja, provocaram a
morte de muitas pessoas.
Eu, no papel de ministro
da justiça, tenho que decidir entre a punição ou absolvição dos tais
denunciantes. Fui estudar o problema pedindo a ajuda de alguns deputados e suas
opiniões sobre o caso. Os tais deputados fizeram as seguintes ponderações:
Primeiro
deputado: Defende a
impunidade dos denunciantes invejosos, pois o que os denunciados estavam
realizando realmente era ilícito, isto é, contrário às regras vigentes nessa
época.
“A diferença entre nós e os
Camisas-Púrpuras não está no fato de que eles formaram um governo sem leis.
Isso seria, aliás, uma contradição nos termos, pois todos os governos seguem
determinadas leis”. Página 39
Segundo ele, nós
permitimos e toleramos a expressão de pontos de vista divergentes, por isso
eles tentaram impor seu próprio código monolítico (rígido, concreto).
Se tentarmos fazer uma
triagem nos atos do regime, anulando julgamentos, invalidando algumas leis ou
considerando como produtos de abuso de poder algumas condenações estaríamos
fazendo o mesmo que fizeram os camisas-púrpuras.
Segundo
deputado: Para ele o
governo dos Camisas-Púrpuras não era um governo legal. Um governo legal
pressupõe a existência de leis que sejam conhecidas por seus destinatários e,
esse fato, não era seguido pelos Camisas-Púrpuras.
Quando
os Camisas-Púrpuras assumiram o governo deixou de existir um Estado de Direito,
mas sim, uma suspensão do Estado de Direito.
Segundo ele, devemos deixar o passado
no passado, não agitando os ódios desse período.
“Seus atos não eram nem legais nem
ilegais, já que eles não viviam em um Estado de Direito, e sim em um regime de
anarquia e de terror”- página 42
Terceiro
deputado: Não pode
opinar, pois para ele, cada caso deve ser analisado separadamente. Obviamente
que existirão casos em que não será necessário punição e outros com
obrigatoriedade dela.
Discorda da opinião do
Segundo Deputado, o qual diz que nesse período havia uma guerra de todos contra
todos. Para o Terceiro deputado não havia tal, pois abaixo da superfície
política continuavam a serem realizados muitos atos que fazem parte da vida
humana normal: Celebravam-se casamentos, bens eram vendidos, redigiam-se e
executavam-se testamentos.
Para ele, se haver
necessidade de punição, os responsáveis deveram ser os membros do partido (Camisas-Púrpuras)
e aquelas pessoas que tiraram proveito da situação.
Quarto
deputado: Diz que
precisamos uma reflexão muito mais profunda que a do terceiro deputado em
relação ao caso.
Defende a criação de uma
lei especial para o tratamento do caso. Em sua opinião, é importante estudar os
vários aspectos do problema dos denunciantes invejosos, coletar todos os dados
para elaborar tal lei.
Com isso, não será
necessário aplicar às leis antigas. Devem-se estabelecer penalidades
apropriadas para as infrações e não tratá-los como assassinos.
Os encarregados para a criação desta
lei não terão uma tarefa fácil, pois, entre outras coisas, deverá ser dada uma
definição para “inveja”, atividade difícil.
Quinto
deputado: Discorda da
sugestão para o desfecho do caso do quarto deputado, pois para ele com a edição
de novas leis estaremos empregando um dos mais odiosos procedimentos do regime
dos Camisas-Púrpuras.
Pontua o caso do homem
que deixou de informar a perda dos documentos no prazo de cinco dias, que para
ele foi objeto de punição porque naquele momento crescia muito o movimento
clandestino e o regime enfrentava agressões contínuas por parte de pessoas com
falsos documentos de identidade. Os Camisas-Púrpuras enfrentavam sérios
problemas. Devido a isso, com o ideal de se impor, tomavam medidas como a pena
de morte, para que o problema não se agravasse.
Para ele, a população
deveria tratar do caso da forma que achasse mais adequada, não envolvendo o
governo nem o sistema jurídico.
Eu, na posição de
Ministro da Justiça, ainda estou com dúvida sobre qual a melhor solução para o
problema dos denunciantes invejosos. A edição de uma lei retroativa poderia ser
declarada inconstitucional, já que a Constituição em vigor proíbe as leis
penais retroativas. A proposta de não fazer nada a respeito desses denunciantes,
além de criar problemas políticos, expõe o governo ao risco de ser processado.
Diante desses impasses,
decidi realizar nova conferência, mas desta vez com a opinião de alguns
renomados juristas. A sugestão e as posições dos juristas sobre o caso são as
seguintes:
Prof.Goldenage:
As denúncias foram
feitas segundo o direito que vigorava e, por consequência, os tribunais
aplicavam as sanções previstas pelas leis da época.
“Somos membros de uma comunidade
política que deseja preservar os seus valores: a liberdade, a dignidade e a
igualdade.”- Página 60
Não conseguiremos
alcançar esses princípios se ficarmos reféns das leis. Devemos agir como
cidadãos maduros.
Embora as denúncias
terem fundamento, denunciar uma pessoa porque não gosta dela é um crime
hediondo. Denunciar por inveja é um crime que causa indignação a todos e merece
a mais severa punição.
O direito injusto não é
direito. Assim sendo, a lei injusta não é válida.
As condenações se basearam nas leis
vigentes na época, mas podemos concluir que a legislação desse período não era
direito. Era um odioso produto de mentes criminosas.
Quem participou da
criação ou da aplicação dessas leis deve ser castigado. Assim sendo, os
denunciantes invejosos e as autoridades estatais que deram seguimento a essas
denúncias, devem ser castigados.
Prof.
Wendelin: Decidir
sobre a “verdade” no direito é um exclusivo privilégio dos juízes. Por esse
fato, as propostas formuladas por ele e por seus colegas, assim como as
eventuais leis retroativas sobre os denunciantes invejosos, não passam de meros
desejos.
Acredita que a proposta
mais adequada é aquela que sugere deixar impunes os Denunciantes Invejosos.
O regime dos Camisas-Púrpuras
foi eleito pelo voto popular. Grande parte da população o aceitou, por medo,
passividade, interesse ou por convicção.
“Castigar quem atuou em conformidade
com o direito vigente significa instigar a atos de vingança”(Wendelin defende
os denunciantes invejosos)- Página 67
Por fim, considera que o
legislador e o juiz devem pensar na utilidade social de suas decisões, que para
ele não há necessidade alguma de punição, já que não irá ressuscitar as vítimas
desse regime.
Profª
Sting: Demonstra certa
indignação pelo fato de achar que a mulher estava sendo tratada como objeto por
todos os seus outros colegas.
Para ela, os homens têm
mais privilégios que as mulheres, como salários mais altos.
Existiu um caso de um
homem que foi denunciado pelo amante de sua esposa, por não avisar o regime da
perda da carteira de identidade. O homem foi condenado a pena de morte. Demonstrando
protetora das mulheres, questiona o motivo pelo qual a mulher resolveu ter um
amante. Indagando sobre o seguinte: Será que ela era maltratada?
Ela diz que é equivocada
a tese pela qual a punição de indivíduos invejosos irá pacificar e fazer
justiça.
O novo governo promete
instaurar um regime de liberdade, pondo termo às injustiças e à opressão. Para
isso deve-se proteger mais as mulheres, coisa que não está acontecendo nesse
momento, segundo ela. Primeiramente devem-se eliminar os mecanismos que
inferiorizam o gênero feminino.
Sting cita duas medidas que podem ser
úteis.
Em primeiro lugar, o
governo deve elaborar uma declaração, condenando a utilização do direito para
oprimir e explorar seres humanos(homens,mulheres)
Em segundo lugar, fazer
uma completa reforma do ordenamento jurídico. Na reforma, devem-se expurgar as
normas que garantem dominação masculina, fazendo assim que a aplicação do
direito faça com que a mulher tenha mais autonomia.
Prof
Satene: Discorda da
professora Sting, que envolveu o caso dos denunciantes invejosos com
discriminação entre homens ou mulheres.
“interpretar o direito de forma
criativa e responsável significa oferecer aos cidadãos soluções racionais,
convincentes e coerentes. Significa, antes de tudo, dar o sentido mais adequado
às palavras utilizadas pelo legislador para fazer jus aos princípios que
norteiam o convívio social”- pensamento interessante de Satene (página 78)
Pontua que os
Denunciantes invejosos devem receber uma grave punição, proporcional ao mal que
causaram às vítimas do regime. O fundamento legal para a condenação deve ser o
Código Penal, que pune como crimes de homicídio, a privação da liberdade e os
demais danos sofridos pelas vítimas das denunciações.
Para ele, o juiz que
condena pessoas com base em leis corruptas e injustas merece também ser punido,
com sansões proporcionais ao mal que causaram.
Profª
Bernadotti: Não
aceita as opiniões de Goldenage e Satene como verdadeiras, pois estes diziam
que todos somos iguais e apresentamos os mesmos direitos.
Para ela, o professor Satene não quer
admitir que o sistema jurídico, quase sempre, toma o partido dos mais
poderosos: dos brancos, dos ricos, dos homens.
Defende que não se deve
punir os juízes nem os Denunciantes Invejosos, pois estes denunciaram fatos
reais e que seguiam o direito em vigor.
“Eles simplesmente aplicaram o
direito, tal como faz qualquer respeitada família que paga um salário mínimo à
sua empregada doméstica ou especula na Bolsa de Valores”- Página 82
Pensa que a punição é
oportuna por dois motivos. Primeiro, porque permitirá marcar ainda mais
claramente a ruptura com o passado. Segundo, porque é uma medida adequada para
pacificar a sociedade, tão revoltada pelos crimes e abusos cometidos durante a
ditadura.
Para Profª Bernadotti,
punir somente os Denunciantes Invejosos não será justo, já que a
responsabilidade deles é muito menor do que a dos funcionários públicos que se
tornaram obedientes instrumentos da ditadura. Os Denunciantes Invejosos não
cometeram ilegalidades, frisa Bernadotti
Eu, na situação de
Ministro da Justiça, estou estudando as sugestões para decidir o melhor para solucionar
um desfecho para o caso.